terça-feira, 2 de março de 2010
Sensacional
Hoje de manhã, pouco antes de sair para trabalhar, percebi um cheiro. Uma correntezinha de ar passou pelo meu corpo e, não fosse a minha sensibilidade incrível para sentimentos do passado, observação constante, eu não teria me tocado, entendido, tido certeza de que eu já havia sentido aquilo. Não só uma vez. Na verdade, já havia experimentado essa mesma sensação, não a de lembrança, mas a que promoveu a lembrança, muitas vezes. Praticamente quase toda a manhã eu sentia isso.
O engraçado é que essa sensação, esse cheiro de gosto estranho, esse frio de cores suaves, só me apontava lanças ameaçadoras em momentos de confronto iminente. Não era medo ou dor. O medo, e até mesmo a possibilidade de dor, vinha após. Essa sensasaozinha tão minha, imanente, que sempre me acompanhou, havia me deixado e eu nem percebera, até que ela reapareceu, arco e flecha, hoje de manhã como que para me lembrar que havia ido embora.
Me pus a pensar e logo precisei escrever, o que havia feito eu não perceber o abandono, a partida dessa sensação que me acompanhou por toda a vida. Mais ainda, me entreguei à breve paranóia de minutos sobre o motivo do abandono. Fiquei matutando, perguntando, lembrando dos meus sonhos, esperando, esperando, esperando e...nada.
Eu não entendia o motivo do abandono, haveria sido negligência minha? Como uma parte de mim, uma parte tão minha da qual nem me dava conta existir, assim, como aquele calo que me acompanha desde criança ou os meus relevantes sinais nas costas, vai embora e eu não sinto? Teria sido falta de atenção? Teria eu expulsado a sensação?
Agora que ela passou por mim tão rapidamente como se dissesse um “Olá, tudo bem?”, essa sensação que só eu sei e que nem a arte haveria de explicar, fiquei perdida, um pouco atordoada. Para ser sincera, sorri como se reconhecesse um velho amigo com o qual perdera contato e agora se tornara um novo colega. E quando ela foi, ela foi. Não sei se volta e não sei se trouxe novamente com suas lanças a notícia de um confronto.
Foi então, no pensamento retumbante sobre o destino incerto da minha antiga sensação, que refestelei meu corpo sobre a certeza mais certa e maravilhosa da minha ainda curta, talvez longa, vida: ela havia partido aos poucos à medida que meus ossos se esticaram estalando contra meus ouvidos, partiu devagar, pé ante pé, nos momentos em que meus músculos e pele cresciam. Deixou-me de mansinho a cada “não” que saía da minha boca, a cada revolta contra o que já está estabelecido e que explodia em minha luta diária. Foi indo com as minhas bonecas, levando debaixo do braço minha casinha com família de comercial de margarina.
A minha sensação me deixou tão mansamente, como se deslizasse em nuvens de imaginação. Aquela sensação indescritível, adjetivo este que cala minha boca e prende minhas mãos, me deixou tão sem nada dizer, que não havia como eu perceber que partia: ela foi uma dama, uma menina criada em família de bons modos e, por isso, nem fez barulho. Fez o que tinha que fazer. Por que ela votou? Talvez pra relembrar uma velha amiga, alguém que já a vinha esquecendo. Sem dramas, disse “Olá”, passou suave e foi embora novamente, me deixando como estou, um pouco mais forte, talvez pra não voltar mais.
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